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Dispõe sobre a gestão, a organização, o processo decisório e o controle social das agências reguladoras, altera a Lei nº 9.427, de 26 de dezembro de 1996, a Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997, a Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997, a Lei nº 9.782, de 26 de janeiro de 1999, a Lei nº 9.961, de 28 de janeiro de 2000, a Lei nº 9.984, de 17 de julho de 2000, a Lei nº 9.986, de 18 de julho de 2000, a Lei nº 10.233, de 5 de junho de 2001, a Medida Provisória nº 2.228-1, de 6 de setembro de 2001, a Lei nº 11.182, de 27 de setembro de 2005, e a Lei nº 10.180, de 6 de fevereiro de 2001.

AGÊNCIA REGULADORA

Texto: Valéria A.B.Salgado (dezembro/2019)

 

Agência reguladora é uma autarquia constituída sob um regime especial, que tem a finalidade de regular determinado setor da economia, na forma do disposto no art. 174 da Constituição:

“Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da Lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado”.

O modelo de agência reguladora foi concebido como uma tecnologia jurídico-institucional[1] de apoio ao programa de desestatização e privatização promovido pelo Governo Federal no período de 1995-2002, conduzido pelos Ministérios da Fazenda e do Planejamento e Orçamento, na vigência da Carta Maior alterada pelas Emendas Constitucionais n. 5 a 9, de 1995:

a) Emenda Constitucional n. 5, de 1995: alterou o parágrafo 2º, do artigo 25 da Constituição, para permitir, em âmbito estadual, a concessão dos serviços de gás canalizado a empresas privadas, e não somente às estatais;

b) Emenda Constitucional n. 6, de 1995 revogou o artigo 171 da Carga Magna, que conceituava as empresas brasileiras de capital nacional, bem como alterou a redação do artigo 176, §1º, para permitir a exploração de recursos minerais mediante autorização ou concessão de União, não mais exclusivamente a empresas de capital nacional, mas sim a brasileiros ou “empresa constituída sob as Leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no País”;

c) Emenda Constitucional n.7, de 1995, alterou o parágrafo único do artigo 178 para permitir a realização de transportes de mercadorias na cabotagem por navios estrangeiros;

 

d) Emenda Constitucional n. 8, de 1995 modificou o parágrafo XI do artigo 21, para permitir a concessão de serviços de telecomunicações a empresas privadas; e

e) Emenda Constitucional n. 9, de 1995, alterou  a redação do artigo 177, para autorizar a União a contratar com empresas estatais ou privadas a realização das suas atividades de monopólio com relação ao petróleo, ao gás natural e aos outros hidrocarbonetos (Machado, 2014).

 

O ambiente constitucional instalado a partir das emendas acima mencionadas – que proporcionou a desestatização de setores que antes constituíam monopólio estatal, tais como os setores de energia e telecomunicações, tendo ocorrido, inclusive a  privatização de empresas estatais como a Cia. Vale do Rio Doce - gerou a necessidade de assegurar a capacidade regulatória do estado sobre os novos mercados que se constituíram[2].

Além disso, havia, à época, a percepção dentro do Governo Federal de que a instituição de órgão regulador nos setores desestatizados, funcionaria como uma peça-chave para inspirar e atrair a confiança do capital estrangeiro, por garantir estabilidade às regras estabelecidas para o mercado. Assim, entendeu-se que a criação de uma entidade com competência técnica e que, embora pública, pudesse atuar com independência decisória em relação aos órgãos centrais de governo, poderia inspirar maior confiança dos investidores. E, dentro dessa perspectiva, foi projetado o estatuto jurídico da agência reguladora, cuja finalidade primordial era a de promover a observância de regras básicas para que a competição de mercado fosse justa e que o equilíbrio entre interesses de consumidores e concessionárias de serviços públicos fosse assegurado.

O modelo de agências reguladoras independentes visou, portanto, assegurar a estabilidade dos marcos regulatórios de setores que foram desestatizados, a fim de  atrair investimentos reversíveis, particularmente n área de infraestrutura em que havia a exigência de altos investimentos não recuperáveis (sunk costs).

As primeiras agências reguladoras instituídas no País foram a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), dotadas de regras estatutárias especiais em relação às demais autarquias, dentre as quais se destacam:

a) a competência de definir a regulamentação do setor, cobrindo todos os aspectos, desde as licenças até os padrões de interconexão; 

 

b) o fato de suas decisões técnicas, no exercício do poder de regulação, serem insuscetíveis de revisão na esfera administrativa, ou seja, poderem decidir em último grau sobre as matérias de sua alçada, sempre admitido recurso ao Conselho Diretor (Lei nº.  9.427, de 1996 - ANEEL);

c) a estrutura de direção colegiada, exigida a prévia sabatina e aprovação do Senado Federal para a designação de seus dirigentes;

d) o mandato fixo de seus dirigentes, ocorrendo sua substituição somente nos casos de renúncia, condenação judicial transitada em julgado ou processo administrativo disciplinar; o que retira a autonomia do Poder Executivo de nomear e exonerar os dirigentes, por exigir  prévia autorização do Congresso e limitar a sua substituição a hipóteses muito restritas (crime contra a administração ou improbidade);

e) o quadro próprio de cargos em comissão, com valores remuneratórios superiores aos dos demais órgãos da Administração Direta e entidades autárquicas e autorização legal para alterar seus quantitativos e distribuição (Lei nº.  9.986, de 2000);

f) a autorização pra observarem regulamento próprio para contratação de bens e serviços (com exceção de obras e serviços de engenharia civil: Lei nº.  8.666, de 1993); 

g) a autonomia para desenvolver sistemas próprios de administração de recursos humanos, inclusive cadastro e pagamento, sendo obrigatória a alimentação dos sistemas de informações mantidos pelo órgão central do Sistema de Pessoal Civil – SIPEC (Lei nº.  9.986, de 2000); e

h) a autonomia para definir sua própria estrutura.

Nem todas as agências reguladoras possuem o rol completo das  essas características acima, visto que não houve a aprovação de uma “Lei geral”  que estabelecesse o estatuto jurídico do modelo. Apenas algumas dessas características foram generalizadas a todas as agências reguladoras, por força da Lei nº.  9986, de 18, de julho de 2000, que criou a estrutura especial de cargos em comissão; dispôs sobre a estrutura colegiada de direção e sobre o mandato dos dirigentes; dentre outras disposições.

As autonomias administrativas, ou melhor dizendo, características especiais dessas entidades foram estabelecidas diretamente nas suas respectivas Leis de criação; sendo que, em algumas delas foram também previstos institutos diferenciados de controle; como a necessidade de submeter  à consulta pública os assuntos de maior relevância, antes da tomada de decisão; a observância de período de carência entre a tomada de uma decisão e a sua entrada em vigor, dando oportunidade às várias partes afetadas de se manifestarem; a previsão de conselhos consultivos sociais; de ouvidorias, e a celebração de contratos de gestão com o ministério supervisor para a definição de metas de desempenho institucional a serem alcançadas pela entidade.

Apesar do modelo regulatório das agências ter sido concebido para setores de concessão de serviços públicos tarifados – nos quais a função principal da autoridade pública é regular competição no mercado, resolver conflito entre concessionárias e defender interesse de consumidor; onde a atuação regulatória pode e deve ser segregada das funções de governo, a fim de superar as falhas de governo e as falhas de mercado -, a atratividade do estatuto privilegiado dessas entidades[3] motivou a aplicação do formato jurídico para personalizar atividades estatais de regulação de políticas públicas e não de mercado – em setores que a autonomia político-administrativa das agências não era requerida e, em alguns casos questionável, em razão do descolamento da sua atuação das direção exercida pelo Ministério supervisor e pelo próprio Presidente da República. Foi o caso da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA); da Agência Nacional de Águas (ANA); e, inclusive, da Agência Naciona de Petróleo (ANP) e da Agência Nacional de Mineração (ANM).

Especialmente nos três últimos casos, pode-se questionar a aplicação do modelo de agências independentes para regular setores onde há outorga para exploração de bem público, finito e não renovável, em que a ação regulatória deve visar a proteção dos recursos naturais nacionais; a proteção do interesse publico, especialmente sob as dimensões ambiental e social; e a inibição de da influência dos oligopólios.

Na área mineral e do petróleo, onde atuam a ANP e a ANM, por exemplo, por se tratarem de concessão de uso de bem público e sua exploração econômica - em ambiente sujeito a forte concorrência e as regras de mercado - não estão presentes as razões para que o ente regulador exerça as funções de superação das falhas de mercado. Nesses setores, os órgãos reguladores e fiscalizadores estão muito mais próximos do ente estatal que “concede” o direito de exploração e comercialização dos bens extraídos do subsolo (que são bem público da União), e devem, assim, observar de forma mais imediata as orientações de caráter político do Executivo.  Em ambos os casos (petróleo e mineração) tratam-se de concessões administrativas, que conferem direitos patrimoniais a quem explora a “concessão”, não envolvendo obrigações tais como continuidade, regularidade e modicidade tarifária, como nas concessões típicas de serviço público, onde a função regulatória é mais nítida.

 

[1] A agência reguladora não fez como parte, portanto, das medidas de reforma administrativa orientadas pelo Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado e conduzidas pelo então Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado.

[2] Embora a competição seja considerada, tradicionalmente, como o grande e principal  regulador de mercados, é fato que, em praticamente todos os países que  promoveram reestruturação de serviços em áreas antes monopolistass, foi implementado algum tipo de organismo regulador; conduzido diretamente pelo governo; por agências semi-autônomas, ou entidades independentes; a partir da percepção de que, que, deixado às próprias forças do mercado estabelecer essa regulação, muito provavelmente ocorreria o seu domínio pelo antigo operador monopolista, de vez que, pelo fato de deter praticamente toda a infra-estrutura e todos os clientes, esse operador teria condições de impedir, ou pelo menos dificultar, a entrada de novos concorrentes no mercado.

[3] Especialmente no que concerne aos valores remuneratórios superiores de seus quadros de pessoal e cargos em comissão e à estabilidade de seus dirigentes.

CONTRATO DE GESTÃO 

 

 

As leis de criação de algumas agências reguladoras previram a assinatura de contrato de gestão com seu órgão supervisor, como no caso da Agência Nacional de Vigilância Sanitária e da Agência Nacional de Energia Elétrica.

 

Esse contrato de gestão foi concebido como uma metodologia de controle da atuação administrativa da agência e da avaliação do seu desempenho e elemento integrante da prestação de contas. Ele vinculava o mandato dos dirigentes da agência ao alcance de metas de desempenho institucional pactuadas com o respectivo órgão supervisor - previa que o descumprimento injustificado do contrato de gestão era condição para a exoneração dos diretores da agência.

 

Entretanto, a Lei nº 13.848, de 25 de junho de 2019, de autoria do Senado Federal[1], revogou os dispositivos das leis de criação dessas agências que dispunham sobre o contrato de gestão para substituir o controle de resultados sobre o desempenho dessas entidades e de seus administradores realizado pelo Poder Executivo, via contrato, pela avaliação direta e anual do Senado Federal[2].

 

Mas a medida proposta que previa a prestação de contas direta ao Senado sofreu veto presidencial sob a justificativa de violação ao princípio da separação de poderes; e de que a convocação de titulares do Poder Executivo para prestar contas ao poder legislativo possui assento constitucional, sendo vedado ao legislador ordinário ampliar as hipóteses previstas pelo constituinte (Mensagem de Veto Presidencial nº 266, de 25 de junho de 2019). Como resultado, suprimiu-se a obrigatoriedade de as agências reguladoras celebrarem contratos de gestão e não se incluiu outro controle no lugar.

 

[1] A Lei nº 13.848, de 2019 originou-se do PLS 52/2013 de autoria do Senador Eunício Oliveira do PMDB/CE.

[2] O PLS nº 52/2013 aprovado pelo Congresso Nacional substituiu a avaliação do Poder Executivo sobre o desempenho das agências reguladoras, prevista nos contratos de gestão, pela prestação de contas dos dirigentes dessas entidades diretamente ao Senado Federal, conforme § 3º do art. 15.

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